Saturday, December 9, 2017

FILME: Mother! (Mãe!)

Nota: 9 / 10

Um momento... deixa eu processar primeiro o que eu acabei de ver. Ok, vamos lá. Este é mais um filme de Darren Aronofski. E olha, quando se está em frente de um filme do diretor de Pi, The Fountain, The Wrestler e Black Swan, tem-se que prestar uma baita atenção no que se vê na tela.

Este é mais um daqueles filmes que eu não pude ver nos cinemas, durante este ano, fui escolhendo o que eu iria assistir, pois tive compromissos a cumprir.

Mas, de qualquer forma, aqui estamos e eu acabei de assistir Mother!, e... olha... ele é um filme todo alegórico. Tão alegórico que eu vou ter que dividir esta resenha em duas partes: sem filosofia (spoiler free) e com filosofia (spoilers). Vamos lá então, porque eu tenho muito a filosofar.


Primeiramente, quero deixar uma coisa clara e cristalina: não é porque achei algo bem feito que automaticamente concordo com todas as ideias. Como um pensante, eu não preciso me basear na opinião de x ou y para expôr minhas ideias, de outra forma, não seria uma opinião própria. Qualquer coisa que eu disser aqui nesta primeira parte e na parte com spoilers, está sujeita a minha opinião final que eu revelarei ao final da resenha.

Segundo: antes de continuar a ler, gostaria que você desse uma boa olhada ao seu redor. Não vou explicar o motivo agora, apenas dê uma boa olhada; procure saborear com os olhos, tudo aquilo que o rodeia neste momento. Olhou? Ok, vou explicar no final do texto.

Só uma coisa antes de seguirmos: em termos técnicos, este filme é fantástico. Atores sensacionais, dando performances marcantes, um departamento musical afinado, nunca deixando os sons de fundo se sobressaírem ao que está sendo mostrado, mas funcionando em conjunto, e um figurino também excelente. A beleza estética contribui com a narrativa e aquele estilão pausado do Aronofski, muito inspirado em diretores como Stanley Kubrick, causa o suspense e aumenta a tensão no filme nas horas certas. Em termos técnicos, é um filme que vale muito a pena ser conferido.

Pois bem, vamos à primeira parte da opinião contextual, sem spoilers, onde a filosofia, logicamente será menor. É o pano de fundo para o que eu penso ser a verdadeira ideia que Aronofski quer nos passar. Há um casal vivendo em uma casa no meio do mato, interpretados por Jennifer Lawrence e Javier Bardem. Este casal parece estar com a relação em leve declínio. De repente, do nada, o marido deixa pessoas irem entrando na casa deles, sem o consentimento da mulher. Estas pessoas entram na casa e fazem o que querem. O homem, interpretado por Ed Harris, está aparentemente doente terminal, mas ele é um fã do morador, que é um escritor, e queria conhecê-lo antes de morrer. Logo depois vem a mulher do doente procurá-lo, interpretada por Michelle Pfeiffer.

E não pára por aí! A relação do casal protagonista é afetada em proporções cataclísmicas. Coisas absurdas demais para serem concebidas como verdade em nosso mundo acontecem nesta alegoria. Seja qual a interpretação que você fez do filme, não consigo conceber como fato as coisas que se sucedem da chegada dos dois estranhos. Mas enfim, olhando as coisas por este ângulo literal, eu acabei me sensibilizando com a pobre mulher. Pelo menos até conseguir entender plenamente a alegoria. E mesmo depois que você a entende, não consegue deixar de ter uma certa pena da coitada. Mas é claro que sempre mantive na cabeça a ideia da alegoria, até mesmo pela própria natureza de uma alegoria, que pode exagerar o quanto quiser a realidade para nos fazer notar uma mensagem oculta.

Levando em consideração a literalidade das imagens, não dá pra se dizer que este filme tenha algum sentido ou mensagem cabível. Seria apenas uma produção capenga onde coisas absurdas demais acontecem, e consequentemente, não seria da minha parte uma recomendação muito boa de filme, muito embora, seja maravilhosamente filmado, fotografado, com um figurino impecável e mostre que, no final das contas, nada é para sempre. Pois muito bem, é aí que a alegoria dá aquele brilho incandescente e o faz merecer a nota que cunhei acima. Aqui então vai terminar a parte sem spoilers e abaixo, começará a parte com spoilers, a qual entrarei com a filosofia. Não querendo saber muitos detalhes, pule a parte com spoilers e siga adiante para a conclusão.

SPOILER ZONE!
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Pois bem, estamos na sessão de spoilers, se estiver lendo isso é por sua conta e risco. A alegoria feita aqui no filme é uma adaptação livre do Livro do Genesis e mais tarde, da Bíblia como um todo.

Imagine a mulher da Lawrence como a mãe-Terra; neste caso, Bardem aqui faria o papel de Deus. Deus ama a mãe-Terra, mas não querendo que ela ficasse sozinha, traz vida para junto dela. É aí que entram os personagens de Ed Harris e Michelle Pfeiffer, que representariam aqui Adão e Eva. O personagem de Harris, tem até mesmo uma cicatriz nas costas, bem na região da costela, o que contribui com a ideia do homem ter cedido a sua costela para que a mulher fosse criada, ou seja, a própria definição bíblica de Adão e Eva.

O casal estranho tem dois filhos. Eles não são identificados, mas um deles mata o irmão. Já entendeu? Sim, são Caim e Abel. O casal acaba quebrando um cristal, de uma sala que o personagem de Bardem tem, e que ele gosta muito, os dois foram instruídos a não irem para aquela sala. Consequentemente, tanto o casal quanto o filho assassino são expulsos do paraíso. A própria personagem da Lawrence reconhece que ela tentava construir uma vida de paraíso naquela casa, portanto a casa em si é como o Jardim do Éden. O cristal quebrado? Já explico abaixo!

Mas aí a mãe-Terra reclama da falta de amor do personagem de Bardem. Ela meio que se transfigura em uma figura materna e fica grávida de Bardem. O bebê portanto, fica sendo uma alegoria de Jesus Cristo, pois se Bardem é Deus, ele é o criador da vida, e Aquele que mandou o Messias para nos salvar.

Quando o personagem de Bardem finalmente consegue voltar a escrever e a ser entrevistado pela imprensa local, a casa começa a receber mais pessoas, porque lembre-se: Deus quer que todo mundo partilhe a Terra! Só que pessoas são más por natureza, portanto usam e abusam do Jardim do Éden, até destruirem tudo, a ponto de sacrificarem o próprio bebê do casal protagonista no processo. Isso faz a alegoria do bebê Cristo ainda mais forte, porque ele se torna o Cordeiro Imolado. Ao final do filme, a mãe-Terra deu tudo de si, e por fim, chegou ao seu estágio final, levando consigo toda vida existente. Bardem, a alegoria de Deus, pede uma última coisa da mulher: seu amor eterno. Ela lhe deixa retirar seu coração enegrecido e petrificado, e dele encontra um lindo cristal. Bardem coloca o cristal de volta no pedestal que estava o que havia sido quebrado, e tudo começa de novo, não com Lawrence desta vez, mas com uma nova mulher.

Já entendeu o que era o cristal? Era o fruto proibido! Segundo o livro do Genesis, Eva persuadiu Adão a comer o fruto proibido e os dois foram expulsos do paraíso. Aqui, temos uma versão condensada dessa analogia, mas a referência é claríssima. A última ideia que Aronofski nos deixa após tudo que vemos, é que Deus começou tudo de novo. Uma nova Terra, uma nova realidade, e nós, humanos, no fim das contas, estamos neste loop infinito, com Deus vendo sempre que a humanidade falha e depois ele decide criar tudo de novo.

Agora, aproveitando que ainda estamos na sessão de spoilers, esta é a parte que eu, como Católico, não concordo. A crença Católica ou Cristã, não permite a nós, acreditarmos em situações randômicas como esta, primeiro porque não acreditamos que tudo seja randômico assim, e segundo, porque esta parte da alegoria coloca Deus numa posição de homem fraco e que comete erros, sendo que Deus nem mesmo é um ser humano, e sim o Logos, criador de todas as coisas e a Lógica por definição, e portanto, INCAPAZ DE ERRAR. Mas não deixa de ser uma interpretação interessante de Aronofski, e uma oportunidade de ver até onde pode ir a inventividade de um criador humano qualificado como ele. Enfim, independente de qual sua filosofia seja sobre as analogias apresentadas, podemos sair desta sessão de spoilers, e chegar numa conclusão em comum.
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SPOILER END!

Quando eu pedi a você que olhasse tudo a sua volta, estava tentando fazer você perceber uma realidade impactante e incômoda para muitas pessoas: tudo é temporal. Nada que está ao seu redor irá durar para sempre. Tudo que existe neste mundo, está fadado à morte e à destruição completa. Em um momento muito específico do filme, nos damos conta da inevitabilidade deste fato. Qualquer coisa que você tentar conquistar neste mundo, será perdida quando você partir, ou mesmo quando circunstâncias muito específicas tomarem lugar. Se você olhou a sua volta, posso te garantir que você não encontrou qualquer coisa que estará por aqui por toda a eternidade. Sim, tudo se dissipa, queima, acaba. Nossa realidade é finita.

E é justamente para notar esta inevitabilidade que devemos prestar o dobro de atenção na alegoria exposta no filme. Se você ainda não o assistiu, vá lá e assista, e depois leia a sessão com spoilers. Caso tenha assistido e acompanhou meu raciocínio, concordando ou não com ele, bem... nunca se esqueça que a vida em si é uma grande alegoria a qual estamos sempre buscando sentido; talvez a maior e mais difícil alegoria de todas para entender.  

Mother! (2017)
Título em português BR: Mãe!

Direção: Darren Aronofsky
Produção: Darren Aronofsky, Scott Franklin, Ari Handel
Roteiro: Darren Aronofsky
Trilha sonora: Nancy Allen, Jeff Atmajian, Jordan Rees

Estrelando: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson, Domhnall Gleeson, Jovan Adepo, Abraham Aronofsky, Kristen Wiig, Amanda Warren, Laurence Leboeuf, Fred Nguyen

Trailer:

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