Tuesday, January 12, 2016

NO CINEMA: The Hateful Eight (Os Oito Odiados)

Nota: 8,0 / 10

De volta ao cinema, eu estou! Que sensação boa, sinto eu!

Pois é, assim como Tarantino faz referências em seus filmes, às vezes até sem ligação com a trama em questão, mas feitas com muita habilidade, eu também tomei a liberdade de referenciar o Yoda aqui. Não tem nada a ver, mas expressa a felicidade que sinto de retornar às salas de cinema por mais um ano.

E aqui temos um filme novo do puto sanguinário do diretor; exatamente como se espera dele: completamente sedento de sangue, com mil xingamentos, politicamente incorretíssimo, ofensivo, bruto, cheio de palavrões até gastar e com a carnificina de sempre garantida em seus filmes; ah, e rodado em gloriosas lentes Panavision! Que delícia!

E olha que este filme deu trabalho para sair. O roteiro havia vazado, e Tarantino havia desistido de fazer o filme, decidido na época a escrever um livro baseado no roteiro vazado; mas aí ele voltou atrás e resolveu filmar a coisa assim mesmo.

Para começar, vamos falar da referência do título neste segundo faroeste do diretor, que se passa em meio à guerra civil americana. Em 1954, o diretor japonês Akira Kurosawa lançava o filme 七人の侍 (Os Sete Samurais); era um épico do Japão feudal que mostrava sete guerreiros samurais defendendo um vilarejo de agricultores, de ladrões que roubavam as plantações de arroz; se você não assistiu, eu recomendo altamente que assista.

Em 1960, o diretor americano John Sturges lançaria o remake americano, The Magnificent Seven (Sete Homens e Um Destino), e no lugar do Japão feudal e dos samurais com espadas, veríamos, claro, o ambiente desértico do velho oeste e cowboys armados prontos para a briga, usando-se do mesmo argumento; mas como o Tarantino é todo às avessas, The Hateful Eight era a escolha óbvia de título, para conversar aí com as referências apresentadas, visto que, ao contrário dos dois filmes anteriores onde tínhamos heróis, aqui não há heróis, nem homens de honra. Aliás, eu acho que a tradução do título brasileiro ficaria melhor se fosse Odiosos, ao invés de Odiados.

Pois bem, neste filme, a trama é o seguinte: temos oito peregrinos que estão tentando chegar na cidade de Red Rock, e os primeiros que o cocheiro da carroça apanhou, antes do filme começar é o personagem de Kurt Russel e uma prisioneira que será enforcada em Red Rock. Só que Samuel L. Jackson, o arroz de festa hollywoodiano, aparece no meio da estrada. Junto com ele, há mais um cara que diz que é o novo xerife da cidade, e está indo para lá para receber a estrela de homem da lei.

Bom, não preciso dizer a você que todos eles são, como se diz no bom e claro inglês, um monte de "scumbags, good-for-nothing", que quer dizer "sacos de merda, bons-para-nada" ou seja, só tem tralha, bandido casca grossa, abestado, ou seja, nenhum dos personagens do filme prestam. Isso facilita muito quando você começa a ver gente morrer no filme, uma vez que você não cria uma conexão emocional com eles.

Durante os dois primeiros capítulos do filme, a trama se passa na estrada; e puts, o Tarantino usa e abusa das ofensas, brutalidades e palavrões, chamando o personagem negro de "nigger" toda hora, que em português quer dizer "negão, crioulo", no sentido pejorativo mesmo. Há xingamentos, maus tratos, e até mesmo agressões físicas as tantas à prisioneira, que leva uma porrada ou cotovelada na cara quase a todo momento que abre a boca, terminando com o nariz cheio de sangue.

Enfim, no capítulo 3, eles param em uma taverna no meio da estrada, de uma certa Minnie, que não está por lá. Ao invés disso, encontram lá dentro mais quatro scumbags, good-for-nothing, e um velho que está por lá. O velho odeia o fato de o personagem negro ser negro, e fica ofendendo ele a todo momento; só que o personagem também lhe dá todas as razões para o ódio, uma vez que o cara conta ao velho como que ele matou o filho do senhor idoso na guerra civil, e o fez fazer um boquete antes de lhe dar um tiro. Puta que pariu, Tarantino!

Mas assim é o diretor, ele não tem medo de ofender ninguém; faz os seus filmes a seu gosto, do jeito que quiser, ofendendo todo mundo. E sabem de uma coisa? Eu acho ótimo que faça isso! Acho mesmo. Até porque trata-se de um filme de época! Estamos falando do velho oeste, camarada! Ofensas como essas fazem parte do ambiente selvagem e cruel que as pessoas daquela época viviam, portanto, não se trata de uma hipérbole, ou seja, de um exagero de uma ideia, mas sim de um retrato fiel de uma época crua, brutal e onde só os fortes sobreviviam.

E quando eu digo essas coisas, amigo, eu não estou dizendo que esses personagens do filme servem de exemplo, como eu disse lá em cima, eles não servem é pra praticamente coisa alguma! Mas servem para a gente ver a porção mais obscura e maldosa do coração humano. O humor negro de Tarantino é aqui temperado com palavrões, ofensas, total falta de respeito à dor alheia, muito humor negro e doses cavalares de carnificina, com sangue jorrando pelas bicas.

Porém, uma porção do filme se sobrepõe a tudo isso, e acredite, você vai ficar fascinado com isso que vou lhe dizer: na tomada inicial do filme, você vê uma estátua de Jesus Cristo crucificado em meio à geleira, coberta também de gelo. Esta primeira tomada demora muito para sair, Tarantino toma o tempo necessário para que você olhe bem para aquela figura do homem mais justo e nobre, o maior homem que já pisou no planeta. A tomada lenta, pegando todos os detalhes do Cristo é para que você saiba, na minha interpretação pessoal, que qualquer chance de bondade e sentimento piedoso no filme está completamente descartada, pois essa bondade foi paralisada pela fria geleira que a nevasca forte do lugar onde os personagens passam emana, de modo que a única coisa que você terá no filme, é a mais crua e pura maldade, o mais sombrio lado de todas as personagens que habitam aquele lugar. Eis portanto, Os Oito Odiosos.

É interessante pensar nisso, em um filme recheado de maldades, e onde só o que se vê é o espírito humano em seu estado mais apodrecido. Essa é uma característica que eu gosto nos personagens de Tarantino. Ele nos faz ver o quão baixo podemos chegar. É dessa forma que ele justifica o tratamento grindhouse para seu filme, evocando até mesmo o letreiro estilo anos 70 na apresentação.

Entre as tantas referências que se vê no filme, tem-se John Wayne, a Coisa, entre diversas produções clássicas. Tarantino chega até mesmo a fazer intratextualidade com seus próprios filmes. E há uma frase da personagem feminina que eu lembro do game Blood e sempre gostei, inclusive essa mesma frase é usada no game Duke Nukem 3D como uma referência: "quando chegar ao inferno, diga-lhes que eu te mandei!" Dei muita risada quando a mulher do filme disse isso ao seu capataz, após sofrer tantos maus tratos!

Enfim, rodeada de tanta coisa do melhor estilo possível do cinema tarantinesco, The Hateful Eight é um odioso e delicioso mergulho a uma história onde ninguém está certo; não há heróis e nem vítimas, ninguém é de ninguém. Se você é fã do diretor, divirta-se com o oitavo filme de sua carreira. Se você não tem estômago para tanta coisa errada, então já sabe que deve ficar longe. Eu, como estou sempre em cima do muro em relação ao Tarantino, gosto de me divertir com suas amalucadas obras sem compromisso de levar coisa alguma de bom para casa; ou talvez essa seja a razão de ver seus filmes mesmo, como falei acima: mergulhar na mais profunda escuridão da alma humana e ver se conseguimos retornar ilesos, sem nenhum arranhão, apenas curtindo uma história maldosamente deliciosa e bem filmada.

The Hateful Eight (2015)
Título em português BR: Os Oito Odiados

Direção: Quentin Tarantino
Produção: Richard N. Gladstein, Shannon McIntosh, Stacey Sher, Bob Weinstein, Harvey Weinstein
Roteiro: Quentin Tarantino
Trilha sonora: Ennio Morricone

Estrelando: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Demián Bichir, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern, James Parks, Dana Gourrier, Zoë Bell, Lee Horsley, Gene Jones, Keith Jefferson, Craig Stark, Belinda Owino, Channing Tatum, Arnar Valur Halldórsson, Quentin Tarantino

Trailer:

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