Tuesday, June 16, 2015

SHOW: João da Gaita e Fred Sun Walk & the Dog Brothers (Fábrica de Extintores - Ribeirão Preto, São Paulo, 06/06/2015)

Antes de mais nada, pessoal, quero pedir desculpas pela ausência de fotos e do setlist do show, minha bateria do celular havia acabado. Mas essa é uma história interessante e quero compartilhar com vocês, enfim, vamos lá. E mais uma vez eu tenho o prazer e a satisfação de presenciar mais uma noite épica de blues com Fred Sun Walk e seus irmãos, os Dog Brothers, caras que eu sempre acompanhei desde lá do começo. Aqui eu vou fazer um pequeno parêntesis, pois foi um dos lugares mais incomuns que eu já fui para ver uma apresentação. Mas essa é que foi a beleza da coisa, e provou, mais uma vez, que o que importa não é o lugar, mas sim a banda, o artista. Pode ser qualquer lugar, quem dá o brilho, quem faz do ambiente um ambiente especial é o próprio artista e a sinergia que seu público tem com ele.

Eu vou contar a história. Ficamos sabendo, eu e meu irmão de uma apresentação beneficente que o Fred Sun Walk e seus irmãos, juntamente com o gaitista João da Gaita, que eu não conhecia, iriam fazer em uma fábrica de extintores! Fiquei pensando, "puts, fábrica de extintores? Pois bem, vamos lá, isso pode ser interessante e divertido, afinal, temos uma banda fantástica e cerveja, creio que estamos bem." OK. Ao chegarmos lá, eu e meu irmão nos vimos em uma rua sem saída... estranhamos. Encontramos o endereço onde havia um portão amarelo entreaberto, mas ficamos com receio de entrar. Outros dois carros foram chegando; entramos. Era um ambiente que lembrava uma fábrica, na melhor definição da palavra, mas não parecia haver alguém lá dentro. A moça até levou um susto de nos ver, acho que até maior do que o susto que passamos ao chegar na rua sem saída. Depois acabamos dando risada disso tudo!

Ela nos convidou para entrar. Receosos, porém curiosos, entramos. O lugar estava um breu, escuro. Me senti em um daqueles cenários de desenhos do Scooby Doo, onde você nunca sabe o que tem por trás da próxima porta.

O "bilhete de entrada" era um livro. Sim, tínhamos que doar um livro, afinal era um evento beneficente. Doei um manualzinho de gramática da língua portuguesa que tinha e entramos. Lá atrás da fábrica, o clima já estava mais ao nosso agrado. Tinha o palco montado com os equipamentos e o DJ Rogério Brito que não parava de tocar seleções de músicas soul com aquele groove e aquela batida funk dos anos 70. Estava bem bacana. Havia o bar à nossa direita e à nossa esquerda uma paisagem vegetativa com alguma iluminação verde. Pouco a pouco o pessoal foi chegando e o clima foi melhorando. Pedimos logo umas seis latas de cerveja para cada um de nós dois e fomos tomando e vendo a galera adentrar o local. Havia um cara que não parava de dançar ao som da música do DJ, o clima estava bem mais festivo a essa altura. Haviam decorações interessantes nas paredes do lugar, havia um violão e algumas máquinas de escrever dependuradas na parede. De fato, o ambiente se provou muito interessante. Lá pela terceira lata de cerveja eu já estava me sentido bem mais a vontade.

Então, um pouco perto da meia-noite, não sei ao certo, pois estava sem bateria no celular, o show começou. Um pouco antes disso, eu pude dar uma palavrinha com o Leo Rodarte, que iria tocar tanto com seus irmãos quanto com o gaitista. Fomos lá para a frente, eu e meu irmão. O clima a essa altura já era o melhor possível. O gaitista aparece e o show começa. O visual dele estava se destacando dos demais! Blusa, calça, meia preta e chinelos Raider brancos. Rolou até uma piada uma hora sobre uma blitz pegar o cara, claro, demos risadas. O show dele foi muito legal, o cara abriu com a clássica Hootchie Cootchie Man, clássica standart de blues do bluesman Willie Dixon. Ele também apresentou algumas músicas suas e tocou bastante coisa do Muddy Waters, de quem tem influências profundas, como Got My Mojo Working, Long Distance Call e The Blues Had a Baby and They Named it Rock and Roll. Seu show também contou com interessantes versões para clássicos da música popular brasileira, como versões blues para Trem das Onze, de Adoniran Barbosa e Malandro é Malandro e Mané é Mané de Bezerra da Silva. No geral, gostei muito de conhecer o João da Gaita e procurar mais coisas sobre ele.

Após terminar seu show, eu já via a concentração dos outros dois irmãos de Leo lá atrás, que já entraram e arrumaram seus instrumentos. E então começa mais um ótimo show do trio de blues ribeirão-pretano. Lembra lá no início que eu falei que é a banda que faz o show, e não o lugar? Pois bem, de repente o fundo da fábrica de extintores reluzia uma luz intensa, uma aura mística, luz essa que começamos a perceber no exato momento em que os três irmãos começaram a tocar. Essa é uma luz que não é qualquer banda que consegue emanar.

Deixa eu tentar explicar. Vamos remontar lá nos anos 60, quando Jimi Hendrix estava debulhando sua guitarra. Documentários e entrevistas de gente que tocava com o guitarrista ou vivia junto a ele sempre afirmavam que Hendrix poderia estar no pub mais sujo e no ambiente mais inóspito que fosse; mas quando ele começava a tocar, a aura do lugar mudava completamente para algo diferente, algo mágico, inexplicável.

Fred e seus irmãos parecem ter essa força. De repente, o ambiente ganhou ares de um, sei lá, um Teatro de Arena, quem é de Ribeirão Preto sabe o ambiente fantástico que temos neste lugar. E assim, o que antes parecia ser um simples fundo de fábrica, se torna palco da mágica dos irmãos Rodarte. Eu estava bem lá na frente, junto a outras pessoas, testemunhando essa mágica. E é a partir deste ponto que esta história ganha validade de menção. Eu estava impressionado. Um lugar pela qual inicialmente não se dava nada de repente ganhou aquela força, aquele fogo de vida. Mas esse fogo os extintores não haviam de apagar, pois eram o fogo de talentos musicais de primeira linha.

E os irmãos destilaram um grande e emocionante repertório, como já é de praxe. Começaram com a standart Sweet Home Chicago de Robert Johnson, uma das standarts favoritas de qualquer show de Blues, e logo após essa foram mandando vários clássicos do Blues e do Rock, uma vez que a orientação do trio é bastante roqueira também. Do repertório deles mesmo foi pouca coisa, teve uma música do segundo álbum, Special Trash, teve a já clássica Tell Me, Tell Me Baby do primeiro disco e mais para o final, teve o clássico fechamento do trio com a mais do que indispensável Blues Everyday também do primeiro álbum, essa música ja é de praxe, a galera já sabe que vai rolar, e toda vez, em todos os muitos shows que já fui do trio, todo mundo se divertiu pra caramba.

Só que dessa vez o trio se concentrou mais em tocar clássicos do Rock e do Blues ao invés de seu repertório próprio. Tivemos a bonita homenagem ao nosso querido B.B. King com Why I Sing the Blues, teve outras standarts como Five Long Years do pianista Eddie Boyd, também sempre uma gratíssima surpresa, tivemos a versão de Got My Mojo Working do trio que já havia sido apresentada pelo João da Gaita, tivemos também a clássica Baby, What You Want Me to Do? de Jimmy Reed e teve o momento em que Fred Sun Walk chamou o gaitista para dar uma palhinha no palco em algumas dessas músicas. Também teve algumas de minhas favoritas do Rock, como Sunshine of Your Love do Cream, Little Wing do Hendrix, Born to Be Wild do Steppenwolf, Jumpin' Jack Flash dos Rolling Stones e ainda teve um bis com mais umas quatro músicas tocadas em sequência, entre elas, mais uma de minhas favoritas do Hendrix, Foxy Lady. Como se nota, o repertório foi matador!

Mas como eu até comentei com o próprio Fred no final do show, tudo aquilo que é bom, eles fazem ficar ainda maior e melhor. Eu não consigo dizer até hoje se é o toque de Fred na guitarra, aquele seu estilo ao mesmo tempo técnico e fluído e ao mesmo tempo com uma sensibilidade e uma agressividade intensas, um som que penetra bem lá dentro do seu âmago, algo que qualquer pessoa que estiver ouvindo pode sentir que vem lá da alma do cara, que te conquista de cara e te mantém com os olhos grudados nele lá no palco, ou se é a bateria que Leo toca com vigor e vontade ou o baixo carregado do Alexandre ou se é a união de todas estas coisas mais o imenso carisma que os irmãos tem que faz a experiência ser tão intensa. Eu sempre fico com essa terceira opção, mas não sei falar ao certo. Existem momentos na performance dos três que me conquistam, é a hora que eles começam a fazer o volume da música deles aumentar, isso é algo que eu também não sei explicar, mas eles tocam com uma intensidade que você sente, sabe? Você sente, mas é difícil explicar, e olha que eu fiquei durante muito tempo tentando pensar como explicar isso. Mas não encontrei uma forma. Tem que ser presenciado se você quiser realmente saber.

De qualquer forma, a noite, mais uma vez terminou de forma épica. Bebemos mais algumas cervejas, conversamos com os caras, e depois fomos para casa, felizes e ainda com o zumbido nas orelhas de ficar perto das caixas de som e as boas memórias do show. E tudo isso graças a esses grandes talentos ribeirão-pretanos e ao gaitista que conheci e que nos proporcionaram todas essas alegrias em um dos lugares mais improváveis que eu já pensei. Fred e seus irmãos e amigos novamente ressaltam essa afirmação que fiz no início de meu texto: o que importa mesmo é a banda, não o lugar. Eu já assisti Fred e seus irmãos até mesmo no meio do mato, me senti como se estivesse em uma edição do Woodstock. Essa é a força e a mágica que os irmãos Rodarte possuem e que me faz sempre aguardar ansioso pela próxima vez que eu possa vê-los ao vivo.

Blues na Fábrica, com João da Gaita e Fred Sun Walk and the Dog Brothers - Ribeirão Preto, SP
6 de Junho de 2015


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